terça-feira, 28 de dezembro de 2010

"Bizarre Love Webcam"

   Claro que era um absurdo alimentar um romance desse tipo. Mas, ela tentava de alguma forma, manter-me conectado até às três da manhã. Não era nem um pouco difícil aguentar a luminosidade na tela do computador dilacerando meus olhos vidrados. Tinha uma madrugada de sexta-feira, uma loira na minha webcam, uma xícara de café gelado pela metade e a carência que só ela e os meus discos conseguiam curar e mesmo com os goles amargos e gélidos do café, somados ao freezer que estava lá fora, encontrava-me em um frenesi febril com todo aquele papo sem pudor.
   Dizia estar sem calcinha, com vontade de derreter sobre meus lençóis e eu retrucava essas suas frases sórdidas e libertinas buscando deixá-la mais quente que o inferno. Era cedo demais para deitarmos em nossos leitos distantes. Somente uns mil quilômetros era o que nos separava, e eu ria com toneladas de sarcasmo desse empecilho, para não me esvair em um coquetel de decepções. São Paulo e Porto Alegre - era mais do que óbvio que essa distância impulsionava nossa relação sexual virtual 'super moderna' - o fato de não a ter de quatro em minha cama, toda santa noite, me deixava com aquele desejo de guri, com mil golpes de surpresa por segundo, querendo mostrar que dessa vida já sabe alguma coisa que preste. Mas não, o destino decidiu pegar pesado... Ela não era minha vizinha, não morava nem na Zona Sul, nem na Zona Norte, muito menos bateria à minha porta às quatro da manhã.
   Até onde eu sabia não me enquadrava no tipo 'tarado', respeitava e admirava cautelosamente cada centímetro do corpo feminino, com cuidado e devoção; Agora, 'tarado'? Nunca fui, mas, esse era o efeito que aquela paulista dos olhos azuis, com sobrenome de cerveja importada, exercia sobre mim.

Gabriel Andreolli.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Duas quadras e sete andares

     Caminhava com os olhos pregados no chão, ao encontro de alguma coisa que fosse me render menos horas de sono por semana e a sonhada dose peculiar de dopamina que é o êxtase de ficar assistindo rodar a imagem de alguém na sala de cinema da memória.
     Os ponteiros do relógio marcavam oito da noite. Agora, se realmente eram oito da noite eu não tinha idéia. Há dias andava meio estabanado, entre xícaras de café e cloridrato de metilfenidato que pareciam não mais surtir efeito em relação à minha desatenção constante, mas pela ausência do sol meu relógio podia estar sendo verdadeiro. Não conseguia mais ver nenhum tipo de filme. Dias atrás tentei ver um drama, desses clichês cults ao melhor estilo Woody Allen, mas ou me pego pensando em o que vou fazer depois, ou que estou cansado de ficar colecionando romances de dois meses ou algo que o valha.
     Conversei com um velho aqui no metrô, anteontem, ele me dizia que sua mulher estava com câncer e que, até o dia da notícia, um tanto quanto fúnebre, ele planejava um divórcio, coisa que desistiu na hora em que ela contou de sua doença e que teria no máximo mais uns três meses de vida.
     A todo instante me perguntava, chocado, do por que daquele velho homem estar me falando de sua vida pessoal, não que eu não estivesse comovido, até pensei em chorar, por uns 15 segundos, mas essa vontade passou em seguida. O senhor dos cabelos brancos, apelidado de “Mr. Oldman” pela minha mente inquieta, nem me deixou lhe indagar e se despediu.
     Peguei o trem e segui em direção ao meu apartamento. Todas aquelas pessoas sentadas ali, ao meu redor, pareciam estar doentes, não via um brilho de motivação em todos aqueles olhos. Mas o que eu podia falar? Meu olhar era o mais doentio de todos. Quem sabe mais doente que o da esposa do “Mr. Oldman”, talvez, seria este o motivo dele vir até mim para contar de sua desventura, pra que eu criasse vergonha na cara e fizesse minha vida transbordar de intensidade como já foi em uma ‘outra’ não tão distante.
     O trem acabara de desembarcar em seu destino, duas quadras e sete andares pra chegar ao meu retiro. Sentia-me diferente, não havia vontade qualquer de deitar na cama e ser derrotado pela insônia, e já estava lá pelo quarto andar e ainda não tinha mudado de idéia. Quiçá eu estivesse curado, ou simplesmente tão amargurado a ponto de deixar essa cidade cosmopolita me abraçar.


Gabriel Andreolli.